Duas cartas de Juscelino - Sebastião Nery (Tribuna da Imprensa)
Na ditadura, uma noite, aqui no Rio, na Editora José Olympio, Plínio Salgado lançava um de seus livros, sempre politicamente intoleráveis e literariamente magníficos. O jornalista Galeno de Freitas lhe perguntou:
- Deputado, por que o senhor não escreve um trabalho mostrando os pontos de identidade entre as teses que o senhor pregou há 40 anos, na década de 30, e o que se diz e se faz hoje?
- Não adianta, não vale a pena. O plagiador nunca reconhece o plágio.
Plínio Salgado
Em 1955, Plínio Salgado saiu candidato a presidente da República pelo PRP (Partido de Representação Popular), sucessor da sua AIB (Ação Integralista Brasileira). A UDN, que apoiava Juarez Távora, ficou desesperada. Esperava que os votos de Plínio fossem para Juarez.
Fizeram uma campanha feroz para Plínio retirar a candidatura e apoiar Juarez. Plínio não retirou. As eleições terminaram com a vitória de Juscelino, com 36% dos votos, contra os 30% de Juarez, 26% de Ademar e 8% de Plínio.
De Brasília, o professor Paulo Fernando, amigo da família de Plínio Salgado, me manda os originais de duas cartas históricas de Juscelino, uma para Plínio, sobre Brasília, e outra à viúva de Plínio, quando ele morreu.
Primeira carta
Rio de Janeiro (GB), 23 de julho de 1974
Meu caro Plínio,
seu livro "13 anos em Brasília" impressionou-me profundamente. A criticá-lo não me atrevo, elogiá-lo será supérfluo.
O livro impõe-se por dois fatores essenciais: o renome universal do autor e a divulgação sociopolítica de Brasília, irreversível desde que homens de seu porte moral e intelectual, com o conhecimento esmiuçado e sistemático dos problemas nacionais a apoiaram sem restrições.
Lendo o livro, ocorreu-me imediatamente outro, de ferrenho adversário nosso, "El imperialismo d'El Brasil", e que me foi oferecido pelo nosso comum amigo, Guimarães Rosa. O publicista boliviano percebeu num relance a significação de Brasília, pressentida desde o século XVIII e preparada pelo grito que você, meu caro Plínio, deu conclamando todos para a marcha rumo ao "Oeste".
O seu livro não é um depoimento, mas, como diz muito bem, a interpretação de Brasília, no tempo e no espaço, e o que você escreve à página 29 sobre a carga demográfica do mundo e o risco que correm terrenos desocupados, os espaços ociosos, é a expressão da verdade, de uma observação que reflete o cruel realismo que dirige a História Moderna, possuidora desses métodos sumários de destruição, as armas modernas.
O seu livro não engloba apenas os problemas sociais, econômicos ou administrativos. Você vai além e desce a minúcias admiráveis: frutas silvestres, o artesanato simples da terra e até mesmo o som choroso das violas.
A descrição de sua viagem lembra os roteiros que fazem a fascinação do leitor - e eu, tão generosamente citado por você, não sei expressar o que verdadeiramente sinto, a impressão que o livro me deixou e que vai ficar nas letras para a posteridade como a maior justificação de Brasília.
Por tudo, por esse prazer do espírito e da sensibilidade, só posso agradecer-lhe abraçando-o afetuosamente com esta amizade que a cada dia se solidifica e aumenta. Sinceramente, Juscelino Kubitschek
Segunda carta
Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1975
Prezada amiga D. Carmela,
era meu intuito não escrever-lhe agora para não comovê-la ainda mais nem emocioná-la nesta hora tão triste por que passam a senhora, todos de sua família, os amigos e a cultura nacional.
O Brasil perdeu, com a morte de Plínio, um de seus nomes mais ilustres, aquele que representa na vida do País uma página admiravelmente gloriosa.
Romancista, sociólogo, pensador, parlamentar, homem de ação política, dele partiu a primeira voz que, de costas voltadas para o mar, anteviu a necessidade da integração nacional, indicando às gerações moças as veredas dos bandeirantes, rumando para o Oeste. Seu valor literário concede-lhe a autêntica palma da imortalidade e sua "Vida de Jesus" o inscreve entre as maiores expressões da cristologia.
Sinceramente convencido das transformações políticas, defendeu suas idéias bravamente, vindo posteriormente a tornar-se um evangelizador que levou a todos os cantos da pátria uma mensagem de civismo.
Guardo de Plínio Salgado uma recordação indelével e tenho certeza de que sua memória jamais misturará à poeira dos anos, porque ele deixa uma obra consistente e definitiva. Rogo-lhe receber toda a imensa expressão da minha mágoa e creia que Sarah e eu estamos solidários neste doloroso transe.
Resta-nos o consolo da certeza de que o seu nome vai perpetuar-se como um símbolo iluminando o futuro.
Afetuoso abraço, Juscelino Kubitschek.
Fonte:Tribuna Online
Noso comentáio:
Em face de sua extensão, está pubicado em outra postagem, a do dia 13, neste mesmo blog.
http://brasiloeste.blogspot.com/2007/10/plagiando-seastio-nery-comentrio-sobre.html
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